Por tudo que tenho escutado e lido a respeito de 2022, parece haver quase consenso de que foi um ano difícil, daqueles de que todo mundo quer logo se despedir. Muitas mortes, apreensão e divisão com as eleições, acirramento das divergências e, ainda, efeitos da pandemia, que continuou a se impor de modo intermitente.

O fim do ano, como sempre, chegou com sua promessa de festas, férias e a esperança de um novo ano melhor, mais próspero.Foi nesse contexto, que me vi recorrentemente pensando em magia. Claro, o Natal costuma – para quem, como eu, gosta dessa data – trazer essa atmosfera de magia, de luzes, de vermelho e verde, de comidas gostosas, de estar perto de quem se ama.

Numa breve busca pela palavra magia, logo se encontra, na Wikipedia, a seguinte definição: "aplicação de crenças, rituais ou ações empregadas na convicção de que elas podem subjugar ou manipular seres e forças naturais ou sobrenaturais". Mas a magia que ficou me vindo à mente não era exatamente essa e sim uma magia que se dá no ordinário, no comum. O extraordinário que pode ser encontrado nas banalidades, no cotidiano.

Foi, então, que assisti à série norueguesa Nevasca de Natal (A Storm for Christmas), disponível na Netflix e que conta com apenas seis episódios, com duração de cerca de meia hora cada um. A série toda se passa no aeroporto de Oslo, na noite antes da véspera do Natal, quando uma forte nevasca leva ao cancelamento de todos os voos. Assim, os passageiros têm que passar a noite no aeroporto, até que as condições climáticas melhorem e os voos sejam retomados.

Passamos a conhecer diversas personagens e, a partir das interações entre elas, conhecemos suas histórias, suas dores e dificuldades.  (Atenção! A partir deste ponto, dou alguns spoilers).

Entre as personagens, conhecemos uma jovem cantora no auge de sua carreira, porém extremamente triste e solitária. Uma mãe que usou todas as economias para a cirurgia de seu filho, um menino que está perdendo a visão e passa a ter outros sentidos aguçados. Um barman gentil e sensível, que acaba de receber notícias graves sobre sua saúde. Um homem que se veste de papai Noel e que está infeliz com seu trabalho, assim como frustrado com os pedidos feitos pelas crianças. Um pianista rabugento, cuja carreira está em decadência. Um piloto racional e cético que se encontra com uma moça sonhadora e ingênua.

Uma menina cujos pais brigam constantemente e que se perde propositalmente no aeroporto. Uma executiva que pensa que, com seu dinheiro, pode comprar tudo e todos, inclusive a mudança do tempo. Um taxista que enxerga nela algo que parecia perdido, sua humanidade, sua generosidade. Uma pastora que trabalha no aeroporto e que, com seu olhar e escuta sensíveis, está sempre disposta a ajudar passageiros e funcionários.

Essas são algumas das personagens que descobrimos ao longo de Nevasca de Natal, numa trama simples e emocionante. Cada espectador poderá se identificar com a história de alguma(s) dela(s). O centro – se é que se pode chamar assim – se está nos encontros, no cruzamento das histórias dessas pessoas, que vão despertar as mais diversas emoções e sentimentos umas nas outras. A série nos lembra de que é possível a fundação de laços profundos entre desconhecidos, uma certa intimidade que se estabelece em minutos.

Fui levada, então, à ideia de magia a que me referi anteriormente. A magia que está nos encontros mais fortuitos. Os relacionamentos e trocas que podem se dar entre os mais completos estranhos. Laços que podem se estender no tempo ou laços que contam justamente com o poder e o significado da transitoriedade.

Nevasca de Natal me faz pensar que há potencial de magia na vida comum, que talvez haja mesmo algo de sobrenatural nos encontros que esta pode nos proporcionar. À maneira da poesia, um estado de abertura e disponibilidade podem fazer muita diferença para a mágica se manifestar.

Os textos de fim de ano tendem a ser clichês. Não farei diferente. Encerro o último texto de 2022, na torcida de que em 2023, possamos encontrar magia na mais completa banalidade. Que possamos desenrolar o fio que o outro nos lança e fazer dele laço.