A chegada de um filho promove uma reconfiguração da vida em diversos aspectos, especialmente quando falamos dos primeiros anos de vida da criança, ainda mais dos primeiros meses. O novo papel que surge com a maternidade adiciona uma complexidade enorme. Trata-se de uma função que demanda grande investimento afetivo e de tempo, que envolve não apenas dispensar cuidados físicos a um ser completamente dependente quanto também sustentá-lo subjetivamente (assunto para um futuro post), o que talvez seja um dos maiores desafios e das tarefas mais extenuantes.

Considero que cuidar de um bebê é um constante exercício de leitura, leitura daquilo que ele precisa, a cada instante. Saber quando é hora de alimentá-lo, de colocá-lo para dormir; à medida que ele cresce, quando é hora de mudar a rotina, de inverter a ordem das coisas, de deixá-lo livre pra brincar sozinho e somente observar, de apenas acolhê-lo, aconchegando-o ao colo. Trata-se de uma leitura incessante.

A questão é que essa leitura não é uma adivinhação, um golpe de sorte. É preciso estar disponível física e psiquicamente, atento, conectado, pra saber ler os sinais que o bebê emite. Em outras palavras, fazer essa leitura dá trabalho, demanda tempo, energia. Às vezes, há sinais claros, quando é necessário menos esforço de quem cuida. Mas há momentos em que os sinais são sutis, discretos e somente com muita disponibilidade psíquica, é possível lê-los.

Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, fala em uma preocupação materna primária, um estado psicológico muito peculiar em que a mãe entraria, de uma sensibilidade extremamente aguçada, um estado de retraimento em relação a tudo que não diga respeito ao bebê, de forma que ela se identifica de modo radical a ele. Isso permite à mãe oferecer ao bebê um contexto para que ele venha a se constituir e se desenvolver. De acordo com o psicanalista, esse estado se iniciaria ao final da gravidez e duraria até algumas semanas após o nascimento do bebê.

Tomando certa liberdade, proponho alargar tal conceito, pensando uma outra fase desse estado, que se estende além das primeiras semanas de vida, um estado que permita à mãe fazer a leitura a que me referi anteriormente. Talvez possa chamá-lo "preocupação materna" apenas, não mais primária. Afinal, os bebês crescem, se desenvolvem e continuam exigindo ser lidos em suas necessidades e demandas, prolongando essa espécie de alfabetização materna.