Como já disse aqui, sou uma entusiasta da marginália, dessa possibilidade de pegar um livro físico e fazer anotações e desenhos, marcar páginas, grifar, etc., coisa que leitores digitais, ainda que disponham de recursos que buscam cumprir algumas dessas funções, parecem não substituir totalmente. Sempre fui muito apegada aos livros de papel, mas fato é que, de um ano e meio para cá, me tornei uma leitora de Kindle, com todas as suas vantagens e desvantagens.

Um dia desses, lendo um livro, me deparei com muitas palavras que não conhecia, e, como lia no Kindle, pude usufruir de uma funcionalidade indisponível em livros de papel, a busca automática pelos significados das palavras. Basta clicar na palavra em questão que sua definição é exibida. De vez em quando não é possível encontrar alguns significados, mas, de modo geral, é uma verdadeira mão na roda, pois evita interrupções na leitura para colocar as palavras na busca do Google, por exemplo. Não bastasse essa maravilha, descobri recentemente que há, no Kindle, uma ferramenta chamada "Construtor de vocabulário", que reúne todas as buscas de palavras que você já fez. Há flashcards de cada uma, mostrando a frase em que a palavra estava, assim como o livro de onde foi tirada e ainda a possibilidade de "Marcar como aprendida" cada uma delas.

Fiquei impressionada com essa ferramenta. Como amante de dicionários, senti que ela realiza um sonho meu, de justamente ir fazendo uma espécie de dicionário particular com as palavras que vou aprendendo. Lembro que essa foi a proposta de uma professora nos idos anos em que eu fazia aulas de inglês; ter um caderno para anotar todas as novas palavras, suas definições e exemplos de uso. Junto à possibilidade de ler no escuro, aí está, a meu ver, uma das grandes vantagens de ler no Kindle.

Falar diferentes línguas é um privilégio que muitas vezes apresenta-nos palavras para as quais, muitas vezes, não encontramos equivalentes em nossa língua. É quando misturamos idiomas, ou pensamos automaticamente numa palavra estrangeira para tentar dizer de algum sentimento ou sensação muito peculiar e para os quais uma determinada língua guarda uma perfeita definição. Palavras entrangeiras que se tornam familiares e que se buscarmos traduzir, talvez precisaremos de muitas palavras, o que já torna a tarefa falha.

Em outro post, falei sobre como ler e escrever são fazeres ligados à nossa tentativa de dar conta da complexidade da vida e sobre como a linguagem pode nos permitir fazer isso, mas também impor certos limites. Torcemos e retorcemos as palavras num esforço de dizer o que muitas vezes elas parecem não alcançar. Deparar-me com tantas palavras novas, não em outra língua, mas na minha própria língua nativa, me fez pensar sobre esses tais limites, me fez pensar sobre as palavras que não conheço e que talvez pudessem dar conta de tanta coisa que sinto, faço ou penso e que não sei nomear.

Penso, então, sobre os livros que não vou ler, as palavras que não vou conhecer. Penso na Torre de Babel, penso que se todos falássemos a mesma língua talvez não houvesse mesmo limites para os nossos feitos. Entretanto, se por um lado, pode soar aprisionante ou assustador deparar-se com os limites da linguagem, o fato de que não poderemos tudo conhecer e de que muito sempre nos escapará; por outro lado, penso que talvez sejam justamente os limites e perdas que nos impulsionam às mais fabulosas realizações.