Esconde-esconde (ou pique-esconde) é aquela antiga brincadeira infantil, em que um conta até 20, 30 e os outros se escondem. Na versão que conheço, e brincava, aquele que conta sai procurando os outros, e ao encontrar alguém, deve voltar ao pique (lugar onde contou e fechou os olhos) e dizer onde está escondido o outro. O objetivo é não ser encontrado e se salvar. Aquele que conseguir sair do esconderijo e chegar até o pique se salva. Inclusive deve gritar: “1, 2, 3, salve eu!”.

Em seu livro pela editora Ubu, intitulado "Esconde-esconde", Antonio Prata traz outra brincadeira, um esconde-esconde de palavras. O livro todo brinca com as palavras e nomes que estão escondidos em outras palavras, como dormir, que guarda em si "dor" e "ir"; bombeiro, "bom", mexerica, "mexe"e "rica", e por aí vai. São jogos de linguagem, que contam com ilustrações literais e, eu diria, surrealistas de Talita Hoffmann. Ao fim do livro, encontramos uma lista de outras palavras, não exploradas nele, para continuar a brincadeira de achar palavras dentro de palavras.

Quanto uma análise aproxima-se de um esconde-esconde de palavras?

Em um de seus aforismos mais conhecidos, Lacan afirma que "O inconsciente é estruturado como uma linguagem”. A psicanálise e seus conceitos estão sempre orientados nesse campo, só é possível pensar o sujeito a partir dele. A forma como cada um fala, as palavras que escolhe, dizem da maneira como cada um se apropria da linguagem e de como se utiliza dela para se constituir como alguém. Isso só é possível porque a palavra não tem sentido unívoco, estamos falando de significantes. O que uma palavra significa para mim pode ser totalmente diferente do que significa para você.

Em análise, ao ouvir o analisando, estamos interessados nas ambiguidades, nos equívocos, no sentido outro, na palavra guardada dentro da palavra, ou por trás dela. Na brincadeira infantil o objetivo é não se deixar encontrar, mas para se salvar, é preciso arriscar sair do esconderijo. Em análise, talvez nos salvemos justamente por nos revelarmos, por darmos a ver aquilo que, se por um lado, quer permanecer escondido, oculto, por outro, insiste em se mostrar. A palavra que equivoca diz mais do que penso dizer, dentro dela, há outra, assim como em mim habita outro, o outro de mim, tão estranho, incômodo, inquietante.

O livro de Antonio Prata vale a pena ser lido, convida-nos a brincar com a linguagem, duvidar dela e encontrar novos e inusitados sentidos. E pode ser, em alguma medida, uma iniciação no universo psicanalítico.