Não-identificada

"Não identificado". É o que me informa o sistema de biometria de um lugar que frequento diariamente. Todos os dias preciso fazer várias tentativas até que eu "seja identificada". Me irrito. Não me lembro de ter conseguido entrar nenhuma vez numa primeira tentativa de colocar no leitor minhas digitais. Por diversas vezes, fiquei aborrecida por ter que fazer 4, 5 tentativas, até que fosse reconhecida. Outras vezes, precisei recorrer a outra pessoa, que, normalmente, era de imediato identificada, autorizada a entrar e "me autorizava" a entrar também.

Até que, um dia desses, li "não identificado" novamente e a expressão me acertou de outro modo. Dei então uma risada, eu comigo mesma. Tá certo, biometria, cada dia que venho aqui você leva tempo para me reconhecer, para ver que sou eu, a mesma que estava ontem aqui. Afinal, hoje já sou outra.

Lembro, então, de quando tirei minha primeira carteira de identidade. Uma observação foi nela colocada dizendo que valia por um tempo menor do que usual devido a alguma questão com minhas digitais. Havia algum tipo de imprecisão. Acho que tive que tirar outras duas carteiras até que tivesse uma definitiva. Entretanto, o aparelho de biometria me adverte, me lembra insistentemente daquilo que já sei, de que essa identidade está longe de ser definitiva. Melhor dizendo, jamais será.

Não estou/sou identificada comigo mesma. Nenhum de nós está/é. É este o engodo, acharmos que somos idênticos a nós mesmos. Estamos o tempo todo nos deparando com o que há de mais estranho em nós. Já nos dizia Freud, "O Eu não é senhor em sua própria casa". Somos divididos. Ou como queria Rimbaud, "Eu é um outro".

Se eu mesma tantas vezes não me reconheço, como esperar que o aparelho de biometria, pura máquina, me reconheça? Sigo não identificada. Sigo reeditando minha ficção.