Há pouco mais de uma semana, Jeff Bezos, dono da Amazon, foi ao espaço em um foguete, num voo que durou 10 minutos. Dez minutos. A notícia repercutiu muito, naturalmente. Um dos homens mais ricos do mundo, que aumentou sua fortuna no momento mais difícil atravessado pelo mundo em muitos anos. Surgiram memes representando funcionários da Amazon aproveitando os dez minutos para ir ao banheiro; tamanha a exploração que sofrem.
Cá entre nós, realmente me espanta que em plena pandemia, em que há países tão pobres que não podem adquirir vacinas, o homem cuja fortuna atingiu o recorde de US$ 211 bilhões de dólares, veja como prioridade um “passatempo” como esse. Falo do ponto de vista humanitário. Poderia falar também do que essa viagem extravagante representa em termos tecnológicos. Quer dizer, eu não poderia, porque não é a partir desse campo que penso ou falo. Assim, vamos ao ponto.
A felicidade no espaço
Pensando sobre o voo de Bezos e acompanhando a repercussão pelas redes sociais, me lembrei de uma passagem do Mal-estar na cultura, de Freud, em que ele fala sobre os avanços tecnológicos, sobre como estes são tentativas de romper com alguns limites de habilidades e sentidos humanos. Os óculos são uma forma de amplificar a visão, os meios de transporte, uma forma de encurtar distâncias que seriam percorridas com nossas próprias pernas, e por aí vai.
Lá fui eu buscar no texto a passagem em questão. Foi quando encontrei um trecho que me parece perfeito para refletir sobre o que chamo aqui de “voo de Bezos”. Reproduzo parte do trecho, abaixo:
Ao longo das últimas gerações, os homens fizeram progressos extraordinários nas ciências naturais e nas suas aplicações técnicas, consolidando o domínio sobre a natureza de uma maneira impensável no passado. (...) Mas eles acreditam ter percebido que essa recém-adquirida disposição sobre o espaço e o tempo, essa sujeição das forças naturais, a realização de um anseio milenar, não eleva o grau de satisfação prazerosa que esperam da vida, que essa disposição sobre o espaço e o tempo não os tornou mais felizes.
Dessa constatação, deveríamos nos contentar em extrair a conclusão de que o poder sobre a natureza não é a única condição da felicidade humana, assim como não é a única meta dos esforços culturais, sem derivar disso que os progressos técnicos não possuem valor para a economia de nossa felicidade (Freud, 1930, O mal-estar na cultura, edição da L&PM Pocket).
Sabemos, como o próprio Freud nos diz nesse mesmo texto, que para a felicidade não há fórmula mágica, cada um deve encontrar sua maneira singular de ser feliz.
Mas me pergunto, será que Bezos voltou mais feliz?
Se ficou, trata-se de uma felicidade duradoura ou fugaz? A felicidade estava na experiência do voo em si, dos dez minutos no espaço? Ou a felicidade estava no espetáculo em torno do voo, naquilo que ele trouxe de mais narcísico a ele? Será que, do ponto de vista coletivo, convém a um homem bilionário gastar milhões e milhões num voo de dez minutos ao espaço? Qual avanço esse voo representa quando há um abismo separando seu passageiro daqueles que hoje não almoçaram? Pergunto-me, genuinamente, a felicidade que se obtém com um voo de dez minutos ao espaço.