De vez em quando, depois de passear pela internet, isto é, olhar email, alguns sites de notícias, redes sociais, me sinto muito cansada. Leva certo tempo até que eu me dê conta de que as duas coisas estão relacionadas e que muito do cansaço do dia a dia é efeito da superestimulação, da saturação decorrente do volume de informação e da profusão de imagens com os quais lidamos constantemente. Notícias, vídeos, fotos, podcasts, polêmicas, memes, críticas, opiniões, ideias...

A internet é um espaço virtual, portanto, sua relação com o tempo e o espaço é bastante singular. Caso seja acessada de manhã, caso seja acessada na madrugada, ela permanece "viva", o material segue se acumulando na timeline. Linha do tempo, mas um tempo muito peculiar, que não está regulado pelo sol, pela marcação dos dias e noites, por uma rotina em que se acorda e em que se dorme. Aí, o tempo parece ser um tempo infinito, sem demarcações ou fronteiras.

Não à toa, cunhou-se o termo "FOMO", fear of missing out, que poderia ser traduzido como o "medo de estar perdendo algo". Essa sensação causa ansiedade em tantas pessoas, tornando extremamente difícil, senão impossível, se distanciar do celular, por exemplo. Bastam pequenos intervalos, curtos momentos de espera, para pegar, de forma automática, o celular e ficar "rolando" a timeline, ad aeternum.

Há um medo de perder algo dessa quantidade de conteúdo praticamente infindável. De uns tempos para cá, o termo "conteúdo" ganhou muito espaço; temos os "produtores de conteúdo". Muitas pessoas têm se visto obrigadas não apenas a consumir (e esse verbo me parece adequado para a discussão) conteúdo, como também  a "produzir conteúdo". Seja qual for sua profissão, você precisa "produzir conteúdo", especialmente nas redes sociais.

Logo de início, penso em "conteúdo" como algo que seja relevante, que tenha alguma importância, que desperte interesse. Em seguida, numa breve pesquisa, sou lembrada de que conteúdo é aquilo que ocupa espaço em algo, como no conteúdo de uma caixa. Desse modo, pode-se dizer que há conteúdos e conteúdos. Com qual conteúdo escolhemos ocupar nossa caixa?

Penso então na importância de saber usar o espaço e o tempo, calcular milimetricamente como usá-los. Afinal, o tempo e o espaço são escassos, é preciso saber usá-los sabiamente. Contudo, aí me parece que se cai no tal "FOMO", nesse medo de perder. E, vejam, não estamos afinal perdendo o tempo todo? Ao escolher algo, não estamos também deixando todo o resto para trás?

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Photo by Elias Kauerhof / Unsplash

Minha memória fisga em seu arquivo dois textos célebres de Freud, Luto e melancolia e Transitoriedade, que tratam, cada um à sua maneira, de perda. Mas hoje não quero a saturação do conteúdo e da informação, quero o descanso disso. Assim, recorro à poesia e à música, pois, como justamente Freud nos lembra, os escritores estão sempre à nossa frente no conhecimento da alma humana.

Lembro do famoso poema "A arte de perder", de Elizabeth Bishop:  

A arte de perder

A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

- Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

(tradução de Paulo Henriques Britto)

Lembro ainda de Silencio, de Jorge Drexler, da qual transcrevo a tradução:

Silêncio

Todos tentando vender algo a você
Tentando comprá-lo
Querendo te colocar em seu melodrama
Seu karma, sua cama, seu salto para a fama
Seu breve momento de glória
Seus dois megas de memória
Faça o upload para sua nuvem
Como um preço que sobe
Para mostrar-lhe então
Como um banner
Não encontro nada mais valioso do que dar-lhe
Nada mais elegante
Que este momento
Do silêncio
Silêncio

O índice vertical entre a boca e o nariz
O eco na catedral
A brisa na videira
Vamos entrar no som até o segundo último
Vamos prestar atenção ao gesto da foto da enfermeira
E quando o ruído satura a antena de novo
E uma sereia quebra a noite, inclemente
Não encontraremos nada mais relevante
O que dizer a mente
Pare

Silêncio
Silêncio

Beija-me agora
Antes de dizer algo completamente impróprio
Não perca um bom tempo
Para permanecer em silêncio

Silêncio

E quando o ruído satura a antena de novo
E uma sereia quebra a noite, inclemente
Não encontraremos nada mais relevante
O que dizer a mente
Pare

Silêncio
Silêncio
(...)
Silêncio

Saber perder tempo sabiamente. Saber perder tempo com mais critério. Saber fazer silêncio diante do barulho incessante da internet. Saber parar diante das imagens e dos flashes que nos chegam violentos e exigentes, convocando a viver uma vida sem tempo e sem espaço, uma vida virtual. Se o tempo e o espaço nos parecem escassos, são também eles que nos orientam na vida.