Há quanto tempo não me sento aqui para registrar palavras...
Preciso da quietude, de caminhar, para me (re)lembrar de que não posso prescindir disso para (re)descobrir um/o mundo, que me expande e me dá sentido. Não há novidade alguma nisso. Mas todas as vezes em que posso desfrutar do luxo do silêncio, do tempo, da lentidão, (re)descubro com espanto o que já sei. Fiz uma travessia que não posso desfazer. De tempos em tempos – com certeza num intervalo menor do que tem sido – é necessário que eu frequente esse lugar que fabriquei para mim sem que eu mesma percebesse.

Caminho solta. Não quero caminhar dentro do parque, porque caminhar dentro do parque envolve um "dentro", contenção, contorno que limita. Quero caminhar solta, desenhar com meu corpo o trajeto que eu decidir, como uma tímida flâneuse, fazendo linhas num mapa. Estou livre, observando o que me circunda, deixando os arredores me afetarem. Um passarinho chega bem perto de mim, há muros grafitados, há lambes colados com frases instigantes, poemas, pessoas passam, às vezes nos cumprimentamos, às vezes não; as árvores fazem sombra aqui e ali, o céu azul-azul se impõe, tomo café, troco palavras com pessoas e leio. Sempre leio.

Não importa o que eu leia, não-ficção, algo para o trabalho ou minha pesquisa, ficção, poesia. Não importa. Preciso estar entre as palavras, com uma lapiseira e um marca-texto nas mãos – meu modo de tentar deixar marca no texto e em mim, de manter as palavras mais tempo comigo. Elas vão me constituindo, compondo a tessitura que me faz eu. Nesses momentos luxuosos, sinto que seguro o tempo nas mãos, eu o devoro, degustando seus diversos sabores. É puro deleite. Nutro-me do tempo e das palavras e me sinto muito eu mesma.

Em "A chegada da escrita", Cixous afirma, nas suas palavras sempre potentes:

*O texto se escreve sempre sob a doce coação do amor. Meu único tormento, meu único medo, é o de não escrever tão alto quanto o Outro, meu único pesar é o de não escrever tão belo quanto o Amor. Sempre me vem o texto de acordo com a Fonte. Se a fonte estivesse barrada, eu não escreveria. E a fonte me é dada. Não sou eu. Não se pode ser sua própria fonte. Fonte: sempre lá. Sempre o brilho do ser que me dá o Lá. Que eu não cesse de buscar, que eu queira furiosamente com todas as minhas forças e com todos - os meus sentidos. Fonte que dá o sentido e o impulso a todas as outras fontes, que ilumina a História para mim, dá vida a todas as cenas do real e me oferta meus nascimentos a cada dia.
Ela me abre a terra e eu me lanço. Ela me abre o corpo e a escrita se lança. A amada, aquela que está lá, aquela que está lá, sempre lá, aquela que não falta, que não falha, mas que cada frase pede um livro - e cada respiração inaugura no meu peito um canto, um lá que não desaparece e que, contudo, não "encontro", que não fecho, que não "compreendo", um sem-limites para o meu sem-limites, o ser que se dá — a buscar -, que desperta e relança o movimento que faz bater meu coração, que me faz levantar a tinta e partir para buscar mais longe, eternidade questionadora, incansável, insaciável, resposta que coloca uma pergunta, sem-fim
(pp. 59-60).

Escrevi os parágrafos antes dessa longa citação de Cixous sem que me lembrasse dela em sua integralidade. Só-depois de escrevê-los é que me lembrei deste pequeno fragmento: "Que eu não cesse de buscar, que eu queira furiosamente com todas as minhas forças e com todos os meus sentidos", frase que me deixou profunda impressão. Às margens dela, em meu livro, escrevi uma única palavra: oração.

Relendo os parágrafos completos da passagem de Cixous, vejo o quanto ela contém, em alguma medida, muito do que disse anteriormente. Grande parte das vezes, apenas podemos saber o quanto algo que lemos ficou em nós a posteriori, o quanto aquelas palavras, conjugadas de um determinado modo, nos capturaram, deram corpo e contorno àquilo que estava em nós e, muitas vezes, nem sabíamos.

Cixous não cessa de me convocar à escrita. Que sua frase ressoe, convoque outras mulheres. Só é possível viver com voracidade, na busca feroz. Lembro então de outra mulher, Adélia Prado, que nos diz: "Não quero faca nem queijo. Quero a fome".