Suas majestades, os pais
Freud, em seu texto sobre o narcisismo, desconstrói a ideia de um amor incondicional dos pais por seus filhos. Ele afirma que tal amor nada mais é que o narcisismo dos pais renascido. Ver a si mesmo num novo ser que fizemos, ver uma versão melhorada nossa, desejar que ele realize e seja aquilo que não conseguimos ser.
A experiência da maternidade parece brincar o tempo inteiro, de fato, com nosso narcisismo; tanto inflando quanto ferindo.
Infla quando olhamos para aquele serzinho fofo, bochechudo, gostoso, aquele serzinho em que todos babam, um verdadeiro ímã do amor e da corujice da família, dos amigos próximos e, por que não, de desconhecidos também.
Mas me parece que a sensação que nos torna mais poderosos, invencíveis, incríveis é a de poder acalmar um choro somente com a nossa voz. Perceber que seu bebê que chora desesperadamente, ao ouvir a sua voz, se acalma. Sentir que quando você o pega no colo chorando, ele se aninha no seu peito e o choro cessa. Sentir que ele relaxa completamente quando dorme no seu peito, ouvindo seu coração, muito mais do que em qualquer berço ou carrinho. Nada mais delicioso, nada mais potente, nada mais narcísico. Em certa medida, nos tornamos também Her Majesty the Mother e His majesty the Father.
Eu acalmo você, eu soluciono seu desconforto, eu amparo você no seu desespero. Sou eu quem pode fazer isso pra você. Eu sou tudo pra você. Você é tudo pra mim. Fazemos de fato um só, fundidos, grudados. Quase posso ver uma membrana invisível nos englobando, nos unindo.
Mas aí, vem a madrugada, vem o choro que não deciframos, esgotamos nosso checklist e nosso arsenal de truques e distrações. O choro é desesperador, ecoa no cerébro e no coração da gente. Como assim, eu que sou tudo pra você, que soluciono seus desconfortos, que te amparo, não sei exatamente do que você precisa? Como assim você continua chorando? Um verdadeiro golpe. Perdemos o posto de majestades.
Caímos nesse lugar do não saber, nesse lugar também de um certo desamparo. E dói, porque ficamos então, desamparados junto com esse ser que chora desamparado e que só tem a nós.
Não saber. Aceitar não saber. Tentar e errar, tentar e acertar. Porque logo passa. E logo nos tornamos Majestades novamente. Até que venha outro choro indecifrável e golpeie em cheio nosso narcisismo.