Logo cedo, comecei a cantar Como nossos pais, música composta e gravada por Belchior em 1976, popularizada e eternizada na voz de Elis Regina. Nem sabia que sabia toda a letra. Ouvi-me cantando e sentindo cada uma daquelas palavras. Meu corpo se arrepiou até a pele do pescoço.

Logo depois da minha performance catártica e solitária, quis ouvi-la na voz rasgada e potente de Elis. Fiquei profundamente emocionada. Sempre amei essa música, mas nunca a havia ouvido entendendo tanto do que ela fala. Talvez nunca a tivesse escutado com o corpo inteiro. Há sentidos e significados que chegam só-depois.

Como nossos pais faz referência à ditadura, período de retrocessos, violência e repressão. Atualmente, muitos têm claramente flertado com esse passado, querendo retomá-lo, reinstalá-lo, "(...) apesar de termos feito tudo o que fizemos...". As aparências não enganam.  

Lembrei, então, da frase de Goethe:

Aquilo que herdaste de teu pai, conquista-o para fazê-lo teu.

Essa frase é citada por Freud no final de Totem e Tabu (1913). Nesse texto, ele fala, entre tantas coisas, daquilo que se transmite de geração a geração, em termos psíquicos mas também sociais e culturais. Trata-se de um texto riquíssimo que merece comentários mais detalhados, posteriormente.

Mas, hoje, levando em conta a música de Belchior, que hoje me tomou sobremaneira, assim como o momento político do país, ficou para mim a pergunta: O que faremos daquilo que herdamos de nossos pais? O que faremos de tudo o que já fizemos até aqui? Repetiremos, amando o passado, ou transformaremos, mirando num futuro de liberdade e de amor? Qual direção escolheremos?

Quero sempre crer que os braços e os lábios foram feitos para os abraços e os beijos, e não para o ódio e a destruição. Afinal, a esperança se faz no laço. Torço para que ele se imponha.

Obs.: Quando me lembrei da frase de Goethe, fui à internet para saber sua origem exata e em qual texto Freud a citava. Depois, fui a minha estante para buscar o livro Totem e Tabu e fazer uma coisa que me dá grande satisfação, caçar citações. Como se houvesse um ímã em minha mão e no respectivo livro, fui diretamente a ele. Tive a sensação de que só havia ele na prateleira. Com ele em mãos, descobri que eu não tinha ideia de onde estaria a frase de Goethe. Se eu disser que abri diretamente na página certa, dá para acreditar? Esse tipo de acontecimento sempre me espanta e fascina.