Na última segunda-feira, após quase dois anos sem entrar numa livraria, fiz este passeio luxuoso a uma livraria recém-aberta. Andei pelas estantes, senti o cheiro dos livros novos - talvez abertos pela primeira vez -, folheei vários deles, fiz uma pequena pilha para olhá-los com mais calma em uma mesa disponível. Ainda que eu não dispusesse de todo o tempo que eu gostaria para gastar passeando pelos livros, posso dizer com certeza que o tempo que usei ali foi revigorante, um verdadeiro bálsamo. Voltei para casa com três livros novos, mas, mais que isso, retornei com o espírito renovado, com a segurança de que o mundo guarda muitos outros mundos e que posso conhecê-los. Nesse momento, não estou na livraria, mas pensar que ela está lá, onde sei que está, me conforta.

Um dos livros que comprei foi Encaixotando minha biblioteca, de Alberto Manguel. Tinha visto a capa em algum lugar na internet, mas não sabia nada sobre ele nem nunca havia ouvido falar sobre o autor. Quando o vi em uma das enormes mesas de livros, minhas mãos foram direto a ele, por seu aspecto estético, seu design gráfico. Capa azul royal, arabescos em dourado, letras em laranja, tamanho aproximado de uma mão e o detalhe, que não me passou despercebido, das pontas das páginas arredondadas. Pronto, era eu quem já estava nas mãos do livro. Eu já era dele. Li as duas primeiras páginas e folheei lendo frases soltas. Li pouco, folheei pouco, mas já estava capturada, convencida do sucesso da nossa relação.

É sempre arriscado dizer que estamos gostando de um livro, de um filme ou de uma série quando ainda estamos no início, pois podemos ser surpreendidos. Mas assumo o risco aqui, pois comecei a lê-lo e me peguei reagindo fisicamente a algumas passagens, sorrindo genuinamente, cúmplice do autor, como quem diz "Bate aqui, Alberto!" ou "Tamo junto!". Freud chamaria esse fenômeno de identificação, assunto que tratei brevemente aqui.

Sem dúvida, não é coincidência que o livro de Manguel é perfeito para tratar do que hoje queria dizer, do amor às livrarias, às bibliotecas, aos livros; do que representou para mim esse breve passeio por aquelas estantes recém-instaladas. O autor afirma em uma passagem:

Quando estou numa biblioteca, qualquer uma, tenho a sensação de ter sido transportado a uma dimensão puramente verbal graças a um passe de mágica que nunca compreendi de todo. Sei que minha história completa e verdadeira está lá, em alguma parte das estantes, e só preciso mesmo de tempo e sorte para encontrá-la. Nunca consigo. Minha história permanece elusiva porque nunca é a definitiva (p. 17).

No trecho acima, Alberto me conquistou de maneira quase cabal, pois esse assunto me é muito caro; a forma como nos constituímos, a ficção que construímos para nos dizermos alguém. Tal tema rende muitas discussões e foi objeto de minha dissertação de mestrado. Ele constantemente retorna a mim, vivo, efervescente, pedindo que seja mais profundamente investigado. Fica a sinalização de que voltará a ser matéria de outras reflexões, assim como as palavras de Manguel certamente voltarão a aparecer por aqui.

Ps: Em minha precipitação, faço a recomendação do livro. Amantes da leitura, dos livros, das bibliotecas, das livrarias, vão apreciar "Encaixotando minha biblioteca".