Já há muitos anos tenho por hábito escrever nos livros que leio. Sublinho, grifo, faço comentários, discordo, desenho corações e asteriscos, faço pequenas declarações ao autor, me revolto, e por aí vai. De modo que, se encontro um livro, um capítulo, sem nenhum tipo de marcação, tenho praticamente certeza de que não os li. Lembro de uma vez em que um colega de uma disciplina que eu fazia me olhou horrorizado quando eu grifava de azul um texto em um dos volumes da obra de Freud. Para mim, era lógico proceder daquele jeito e, de uns tempos para cá, vejo que cada vez faz mais sentido.
Recentemente, esbarrei em um pequeno texto, que é adaptação de um excerto do livro How to read a book, de Mortimer Adler, que descobri que é um verdadeiro clássico, publicado originalmente em 1940. O livro ensina técnicas de leitura para diferentes livros, bem como traz recomendações de leituras. Fato é que esse trecho, intitulado "How to mark a book", fala em duas formas de possuir um livro; uma está contida no ato de comprá-lo, do mesmo modo como se compra uma roupa, o que seria somente a primeira ação de possuir um livro.
O caminho para se apropriar verdadeiramente é fazê-lo parte de você mesmo e o melhor modo para fazer isso seria justamente escrever no livro. O autor enumera três razões para marcar nossos livros: esse ato nos mantém literalmente acordados; uma leitura ativa é como pensar e pensar leva a palavras, faladas ou escritas; escrever ajuda a lembrar tanto aquilo que você pensou ao ler quanto os pensamentos do próprio autor.
Curiosamente, dias depois de me deparar com esse pequeno texto, apareceu o tweet de Melissa Turkington, retweetado por alguém que sigo. No tal tweet, Melissa conta que comprou um livro usado de Charles Bukowski, cuja melhor parte eram as anotações e comentários feitos pelo antigo dono. Ela postou várias fotos das anotações e os comentários são realmente inspirados e divertidos. O tweet viralizou e, como a internet nos permite maravilhas, chegou à autora das anotações.
Achei essa história maravilhosa e descobri que o termo “marginalia”, que eu já havia escutado em outros contextos, designa as anotações feitas na margem de um livro ou outro documento. E eu ignorava completamente esse uso. Descobri também que há todo um universo em torno da marginália, como livros que surgem a partir de anotações em outro livro, amigos que compartilham uma leitura anotando e reagindo às anotações um do outro, exposições de livros anotados de grandes escritores, etc.
O fato de eu ter usado a expressão “autora das anotações” acima é significativo. Me faz pensar na autoria daquilo que se escreve quando se reage aos pensamentos, às palavras do escritor. Sempre gostei de ver a caligrafia das pessoas. Pegar um livro emprestado e encontrar os comentários e reações do dono foi sempre um bônus. Considero que há algo muito íntimo na marginália, no que está às margens. Há algo não apenas no conteúdo do que se escreve, mas na forma como se escreve, na caligrafia, nos pequenos desenhos, no traço que fica de quem passou por ali, no rastro que quem lê deixa por ali, na marca que permanece e faz história.
O assunto me fascina e faz pensar, por exemplo, em como fica a marginália em tempos de kindle e tablets. Mas isso fica para outro post. Por enquanto, sigo aqui, lendo com o marca-texto, a lapiseira e os post-its à mão, deixando minha marca, me localizando no texto, fazendo dele um pouco meu.