Anos atrás, aprendi com Tania Rivera a ler Freud fazendo sempre uma pergunta a ele. Nunca esqueci disso e, cada vez que releio um texto freudiano, essa orientação faz mais sentido. Penso que esse "método" funciona para textos ou livros de qualquer autor. Talvez nem sempre tenhamos exatamente uma pergunta, mas um tema, um assunto que tem nos tomado quando da leitura. Um indício de que funciona é que por diversas vezes é intrigante a experiência de reler um texto, um livro, seja ele qual for. Às vezes nos espantamos de tal modo nessa "releitura" que podemos até mesmo desconfiar de realmente já termos lido o tal texto.

O método de fazer uma pergunta ao autor, naturalmente, cria uma espécie de filtro, coloca uma lente em nossos olhos, um pouco como aquelas imagens em que se pode ver uma senhora ou uma moça, um cálice ou dois rostos de perfil. Essas imagens que brincam com figura-fundo são sempre curiosas, porque uma pessoa pode ver uma imagem e simplesmente não conseguir ver a outra imagem, ainda que se esforce. Fazer uma pergunta ao texto, parece-me, pode ser brincar disso, do que se coloca como figura e do que fica como fundo. Nesse sentido, o texto pode mesmo parecer se transformar.

No entanto, à exceção de diferentes traduções, que podem modificar as palavras e até o sentido de um texto, o texto permanece o mesmo, as palavras, frases e parágrafos continuam dispostos do mesmo modo. Mas e nós, os leitores, permanecemos os mesmos? Por que sentimos, por vezes, que o texto parece tão diferente, tão estranho? Ou ficamos com a sensação de que há informações novas? No intervalo de tempo entre uma leitura e outra, o que acontece conosco?

Em outro post, falei sobre a marginália, nome que designa as anotações feitas na margem de um livro ou de qualquer documento. Destaquei o quanto há algo de íntimo nisso que se escreve às margens, algo que faz história e que inclusive pode ganhar status de obra. Parece que agora encontro ao menos um dos motivos pelos quais esse assunto é tão impressionante. Os rastros que deixamos nos textos pelos quais passamos podem funcionar como pistas sobre aquilo que apreendemos, sobre como fomos afetados, quando da última leitura.

Talvez nossas marcações, destaques, desenhos, indiquem-nos por que um livro parece se transformar diante dos nossos olhos, por que parece novo ou tão estranhamente antigo. Deleite é mesmo poder reler um texto e descobri-lo outro, reler um livro e senti-lo estranho, porque afinal já não somos mais os mesmos nem mesmo de ontem.